Gilson Guimarães da Silveira
Textos
 
EM ALGUM LUGAR DO UNIVERSO...

                                         ..1..


  ...encontra-se um tal de Piotr Alieksandr Nikolai. Nome como este empresta certa imponência a quem o carregue; assim, por exemplo: "Piotr Alieksandr Nikolai: Czar!"... 
  ...Czar de barbas espessas e flocos de neve agarrados às intensidade e seriedade delas. De fato: pomposas e respeitáveis ficam as barbas, quando acrescidas desses ornamentos (flocos de neve), que dão ao personagem, ao Piotr Alieksandr Nikolai, aparência mais envelhecida, portanto, de homem mais comedido e sábio. 
  ...Maior ainda é a importância dessas barbas, se Piotr Alieksandr Nikolai estiver em viagem porque lhe chegou um correio anunciando a necessidade da sua presença no palácio, e ele imediatamente se apruma da cadeira confortável em que estivera sentado, e se apronta para sair, despedindo-se rapidamente da família, beijando ligeiramente as faces da esposa e filhos, sem se lamentar pelo transtorno... Estava descansando, àquela hora. Chegara no dia anterior, "ainda nem descalçara as botas", e já de volta era chamado... Que fazer!... Afinal, tem suas obrigações; afinal, tem que ter zelos com os compromissos colocados em seus ombros  - é o Czar!... Quer, mas não pode estar sempre no convívio de quem ama, como esposo e pai que é...
  ...E sai às pressas. Sai, mesmo não conseguindo distinguir a vegetação situada à margem do caminho que vem e volta da sua isolada residência campestre: árvores e arbustos retorcidos de nascença, agora desfolhados, ficam com aspectos mais tortos, pela intensidade do frio; ficam parecendo os necessitados do seu império... Árvores e arbustos (que ele não consegue visualizar além daqueles que estão, no galope dos cavalos, lhe aparecendo a não mais de vinte metros à frente, tal é o nevoeiro) assemelham-se a espectros, assemelham-se a mendicantes, mendicantes que ele, Czar, no íntimo gostaria de acolher... mas, as indiferenças dos homens (dos homens todos, não apenas do Czar; dos homens todos do mundo) teimam em desconhecer.    
  (É inverno; a troika corre no espesso lençol de gelo; frio intenso; cavalos de pescoços fortes e ventas de dragão soltando vapores quentes formados nos pulmões dilatados pelo esforço da corrida demorada e longa... Destino próximo, chegando... Sentinelas alertadas pelos guizos do veículo... Condutor estalando o chicote sem açoitar os animais)...
  ...O homem chega. Desveste os excessos que o faziam igualar-se aos mujiques (no tempo fechado, sombrio, todo homem visto enrolado em peles, mesmo em majestáticas peles, não passa de um mujique; é como gato em noite escura: pardo).
  ...Na segunda pele, no uniforme conhecido, de Imperador, entra na sala onde muitos outros homens o aguardam, com muitas notícias, com muitos papéis, com muitas decisões a tomar:
  - A situação está ficando insustentável, Majestade!
  ...(- Puxa! Não me deram tempo nem para descalçar e calçar novas botas!)...

  Seu coração aperta, diminui. Pensa na família. Temia esta ocasião. Tudo mudará, doravante.
   (...)
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  ...(Tudo mudará, doravante, se o nome Piotr Alieksandr Nikolai for dividido em três, de três meros indivíduos: Piotr, Alieksandr e Nikolai - tão irreais, tão fictícios quanto o primeiro).
  (...)
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                                         ..2..

  Em algum lugar do Universo vivem Piotr, Alieksandr e Nikolai. Mas, que eles fiquem lá onde estão, seja nas verdadeiras ou nas virtuais e romanescas planícies frígidas, tomando os goles que lhes cabem de vodka que jamais congela; que fiquem por lá. Por terem sido citados neste imbróglio escritural, já cumpriram suas coadjuvações. Resta, então, agradecer-lhes:
  " - Obrigado pela participação, companheiros."
  (...)  
 
Cuidaremos agora de Pedro, Alexandre e Nicolau...
  ... - nomes corriqueiros e não tão impressionáveis quanto aqueles; mas, nomes que nos cabe grafar na versão "última flor do Lácio". 
  (...) 
 
Em algum lugar deste Universo... 
  ...(onde estamos solidamente plantados numa das suas minúsculas partículas, feita de barro, carne, osso, sangue, vulcões, rios, mares, desertos, gente amarela, vermelha, negra, branca, injustiças e malvadezas - enfim, minúscula partícula a que nos acostumamos chamar de planeta Terra)...
  ...vivem Pedro, Alexandre e Nicolau, trigêmeos; agarrados e inseparáveis, sem serem siameses; agarrados e inseparáveis não obstante serem totalmente diferentes entre si.   
  Pedro foi o primeiro deles a ser aparado pela parteira; os outros, não há como dizer quem o secundou, naquela hora de dores dilacerantes sofridas pela mãe. Absoluta certeza é que ficou por conta de Pedro berrar por todos, na ocasião do nascimento.
  ...(Explicite-se que nasceram de parto normal. As mamãs doutrora pariam filhos com parteiras e dores intensas, raramente com médicos. Para compensar o sofrimento passavam por um período de resguardo vivido a saborosas canjas de galinha. Hoje, especialmente nesta poeira do Universo - que, por sua vez, comporta poeira ainda menor, conhecida como  "Bercesplêndido" -, elas teriam as facilidades da cesariana rápida e dos quatro meses pós, em repouso domiciliar; sem nada de caldos!... pois, para que serviriam os caldos nestes tempos modernos, se não mais se dá justo valor aos placebos?!...)
  (...) 
  Pedro, Alexandre e Nicolau: a serem definidos pela velha expressão "corda e caçamba", Pedro, sem dúvida, é a corda - eis que sempre direcionou as caçambas do jeito que quis e para onde quis. E, mesmo hoje, ainda é assim;  com menor ênfase (diga-se a verdade), porque os outros de uns tempos para cá deram-se a reagir; contudo, Pedro continua sendo o mandão do trio.  
  Estão velhuscos, os três.
  ...Mas viveram infância e juventude felizes. Delas trazem boas lembranças, nada havendo a lamentar. A lamentar (se se fizesse questão disto) seriam as atitudes tantas vezes impensadas de Pedro, o mandão, indivíduo não desprovido de juízo, porém, metido a autoritário, do tipo "só eu que sei", por isso sempre sobrecarregando os outros dois com suas mandâncias.
  ...Na meninice, eram os outros que levavam bordoadas e caneladas nos jogos de futebol de rua; eram os outros que pegavam bichos-de-pé quando iam tratar dos porcos e lavar as cevas; os outros que tinham que andar depressa para fazer alguma coisa... 
  ...(Pegar bonde ou ônibus andando era obrigação, primeiro, de Nicolau; se conseguisse equilíbrio nos estribos, em seguida, então, é que se aboletavam neles Alexandre e Pedro)... 
  Pedro, a vida toda, sempre esteve "por cima", administrando e exigindo dos dois fazerem a parte que lhe tocava e toca, com a autoridade de ter sido o primeiro a nascer, ou seja, com a autoridade de ser o "irmão mais velho"...
  (...)
  Nicolau, coitado!, no correr do tempo foi-se apresentando como o mais frágil, embora sempre subserviente. Alexandre notou isto primeiro que o mandão; e quando este "exigia" deles maior rapidez, Alexandre contemporizava, reduzia os andares na velocidade do pobrezinho. Por compartilhar mais, por se condoer mais com os esforços do irmão, outro dia ele se recordou: " - Nicolau, você lembra quando nós íamos à praia? Era sempre você que pisava nos ouriços, sempre em você os siris ferravam debaixo dos dedos... Você quase teve os dedos decepados pelos aros da roda da bicicleta quando andava na carona do titio! Foi feia, aquela vez, hem?". " - É! Foi feia, a coisa!" - disse Nicolau, suspirando - "...Mas mesmo assim não me livrei do concurso!" - completou, referindo-se ao concurso de "gaiteiros" na emissora de rádio da grande capital, de que participou quando tinha apenas dez anos; ele só, de criança, no meio de candidatos adultos (aliás, ganhou terceiro lugar e prêmios, ora pois, pois!).
  ... "- Quando o ortopedista disse que o jeito era "quebrar" os seus ossos e imobilizar você por três meses, hem, Nicolau? - naquele dia Pedro ficou preocupado!" - lembrou Alexandre. 
  ... "- E aquelas chapas pesadas, de aço inoxidável, que nos fizeram usar, a mim e a você?! Quatro anos carregando dentro das botinas aquelas coisas!"... - arrematou Nicolau.
  (...)
  Pedro não; mas Alexandre e Nicolau ultimamente vêm tomando remedinhos (ainda bem que financiados pelo mandão!) para regular os "circulatórios sanguíneos", evitar inchaços nas pernas, medicamentos de vez em quando coadjuvados por meias de compressão que as deixam (as pernas) parecidas com as do Pinóquio - mas só de vez em quando, felizmente. 
  ...Felizmente, também, Pedro já não lhes exige tanto esforço; a idade já não lhes permite tanta agilidade. Até ele mesmo, vem perdendo fôlego; e quando alguém o espicaça " - Ande mais depressa, Pedro Moleza!" - ele responde: " - Calma, calma! Não é assim que o trombone toca!" E reflexiona:   "- É verdade!... A gente pensa que jamais acontecerá conosco; mas o tempo passa para todos! Já não caminho com tanta facilidade, tanta velocidade; as distâncias se alongam, se alonga o tempo para percorrê-las... É um encravo!... Agora eu sinto: como penavam Alexandre e Nicolau com as minhas exigências!..."
  (...)
  As correrias diminuíram, as claudicâncias (que por vezes aconteciam) aumentaram (até por conta dos óculos, enxergando buracos menores do que realmente são):  
  ...assim vão os três vivendo mais de acordo com a idade, mais harmoniosamente, compreendendo as dificuldades e mazelas mútuas. 
  (...)
.............................................................................................. 

  Pedro, Alexandre e Nicolau: uma cabeça (a minha), um pé esquerdo (o meu) e um (desde sempre meu) maltratado pé direito: precisava prosopopeia tão extensa para contar tão pouco da história de três seres inseparáveis, partes de um só: eu?... 
  ... - que, aliás, na versão "última flor do Lácio" poderia ser um desinteressante "Pedro Alexandre Nicolau - Q'azar!"

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Jul., 12, 2013
 
Guimaraens Esse
Enviado por Guimaraens Esse em 12/07/2013
Alterado em 30/04/2018
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